No processo histórico brasileiro, a política não é vista pela maioria do povo como uma atividade de pessoas decentes. Pelo contrário, aos olhos das pessoas comuns – que batalham pelo seu sustento, têm impostos descontados na fonte, não sonegam como os ricos -, o termo “política” está associado a dissimulação, enganação, demagogia, populismo e, mais recentemente, a roubalheira.
A razão desse espírito crítico é de fácil compreensão: os “de baixo” (operários, donas de casa, classe média e assalariados), à exceção de lampejos temporais, no geral, ao longo da história do país, sofreram e sofrem as consequências da “ditadura” do mercado. Este, em que pese ser venerado pela elite político-econômica do país, tem provocado um imenso fosso entre ricos e pobres com consequências desastrosas nas relações sociais.
A política, para o povo, não se compara a uma paixão futebolística, nem tampouco a uma relação filosófica onde o bem fica num campo abstrato, intangível, portanto. Na verdade, a legitimidade conferida pelos cidadãos aos mandatários parte de um pragmatismo calculado: “Votei e o que mudou na minha vida?” A partir da resposta obtida vem a aprovação ou reprovação dos governos. O balanço coletivo dos mandatários, pela própria característica das eleições no Brasil, só pode ser feito no momento posterior às eleições. Este momento, a depender da escolha pode ser tarde demais e, para além de retrocessos históricos, nem sempre é condizentes com a vontade dos cidadãos. É inegável que a ação do poder econômico desvirtua a livre escolha democrática.
A crise política por que passa o Brasil é reveladora: onde foi parar o “tá-tá-tá” das panelas erguidas das janelas dos apartamentos da classe média que bradava sons contra a corrupção? Ou a corrupção tem ideologia de esquerda?
No fundo, é no momento da escolha que, conscientes ou inconscientes, projetamos o futuro das políticas públicas e da política em geral. Neste quesito – processo de escolha de representantes -, o Brasil está longe de chegar a um modelo de democracia razoável. Historicamente, a opção brasileira foi pelo financiamento empresarial da política. Explico: os empresários, via de regra, os mais poderosos, fazem suas apostas sopesando critérios como viabilidade do político e afinidade programático-ideológica. Mas o critério mais poderoso é a reciprocidade de interesses: financio sua campanha, em se tratando de cargos executivos, e você me devolve a gentileza em apetitosos contratos públicos. No caso das representações parlamentares, a relação com os financiadores de campanhas se dá na perspectiva de influenciar importantes decisões orçamentárias, tributos, CPIs e projetos em geral que por ventura venham a alterar as relações contratuais empresariais futuras.
Nessa senda é que se deve avaliar as razões da atual crise que assola o país. As práticas costumeiras do mundo da política e empresarial, de fazer do dinheiro o principal instrumento para chegar ou influenciar respectivamente o poder se transformou em costume e se prolongou no tempo. Melhor dizendo: se confundiu com a história política do país, e por consequência, desvirtuando por completo a jovem democracia brasileira.
É “A força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como já cantou o poeta Caetano Veloso. As consequências são uma democracia capengando, instituições fragilizadas e o Direito instrumentalizado para servir a conveniências conjunturais. Projeta-se a incerteza do amanhã. Prolonga-se, devido a ausência de uma hegemonia política clara, a insegurança jurídica no país. Nada mais pernicioso para um modelo que se pretende republicano, com o dinheiro comprando o poder político e, salvo algumas exceções, instituições de Estado.
O capitalismo não sobrevive de filantropia. O lucro é sua fonte de vida. Imaginar, em qualquer momento histórico, ação despretensiosa do mundo empresarial em relação à política, só pode ser imaginação dos “puros”, ingenuidade ou má fé de alguns que fecham os olhos para a realidade como mecanismo justificador de suas condutas ou ideologia. Conclusão: para salvar a democracia no Brasil é preciso “desprivatizar” a política.
Evitar que a influência do dinheiro altere a relação de forças no Estado Democrático de Direito não é uma tarefa fácil, pois ela é parte das relações concretas e das contradições que permeiam a democracia liberal. Mas é necessário diminuir sua fúria desmedida de colocar o Estado sob seus pés, como tem sido, desde as primeiras cunhagens. E é isso que aqueles que sempre controlaram o Estado brasileiro não querem.
Todas as tímidas reformas eleitorais na história da República só fizeram aumentar o contágio da política pelo dinheiro. Sou pessimista em relação à reforma política que se avizinha. Pelo que se noticia, nenhuma mudança substancial sairá deste processo. No fundo, mudarão o rótulo para o conteúdo continuar intocável.
Espero que, pelo menos, não seja restituído o financiamento privado de campanhas, DNA de todos os mecanismos que vieram contaminar para o mal a política no Brasil.
Só uma constituinte exclusiva teria autonomia para, de fato, promover uma reforma política consistente. Infelizmente, ainda não há correlação de forças necessária para tal proeza.
Joao Antonio